14 de jun. de 2015

Quando FERNANDO BRANT virou estrela



Escolhi, por gratidão – afinal conviver com esse mestre foi um privilégio -  ou necessidade, passar o dia de ontem na despedida do Fernando Brant. E, meu coração registrou a certeza de que sua passagem se deu de forma tão serena, quanto sua vida. Do início da manhã até a celebração do cemitério, encontrei amigos e ouvi dezenas de histórias sobre alguma relação com o Fernando. Todas, absolutamente, todas, eram personalizadas e muito especiais. Porque a generosidade deste ser de luz era imensa.  Quando ele estava conosco ele estava realmente presente e ali. Fernando não relutava em atender a todos os chamados. Dos telefonemas, aos pedidos de amigos para parcerias, pesquisas, partituras, prefácios, dúvidas sobre direito autoral, tudo que engrandecesse a singularidade do encontro, Fernando acolhia com uma ternura que era só dele. Fernando, que sempre se posicionava – além poesia – em favor do melhor possível  em justa política, deixou sua marca inconfundível de diplomacia imparcial que lhe permitia transito apartidário e soluções dignas e úteis, como por exemplo, a força transformadora e de identidade cultural respeitável, na sua passagem pela Rádio Inconfidência no início dos anos 80. Desta maneira, em reverência sincera e expressões emocionadas, seu ultimo encontro, entre flores inúmeras que o circundavam, naquele foyer do Palácio das Artes, contou com a presença de rivais políticos de primeira grandeza que, ali estavam, em nome de algo bem maior que qualquer picuinha: o ser humano. Do  transito de visitas, em plena cobertura da imprensa: a política, ao empresariado, aos familiares e amigos da música de Minas, sonoridade em uníssono: luto latente. Tudo isso daria um livro. Mas, alguns aspectos me tocaram muito. Foram ensinamentos para a vida, alento para o instante ou impressões sutis que desejo que fiquem gravadas no meu coração, para o sempre. 
Citarei algumas: já que falei na Inconfidência, então, gostaria de bater palmas para o amigo Elias Santos. De volta à emissora mineira, Elias, profissional que nunca se furtou ao juramento de seu ofício, então, novo diretor artístico da emissora, arregaçou as mangas logo cedo e, do estúdio, abriu a rotineira grade de programação e foi, ele mesmo,  para a ancoragem de uma cobertura imediata em horas de homenagem ao Brant. Isso chama-se sensibilidade. 
Comentei, anteriormente, na rede social, que a noticia do falecimento chegou a mim durante o show de sexta, dos amigos Sérgio Moreira e Clóvis Aguiar.  (abro parêntesis para falar dos dois: não bastasse a emocionada homenagem improvisada no meio da apresentação, em interpretação tocante de Fruta Boa, que registrei em vídeo amador, os dois estiveram presentes para o último encontro.) Na manhã de sábado, entre trocas de mensagens e telefonemas recebidos de amigos, a emoção de Tino Gomes. Tino, que mais tarde estaria comigo ao lado de Fernando, levou sua espiritualidade fortalecedora, que visivelmente, manteve elevada a energia junto ao principal motivo de estarmos ali. 
Antes de ir lá, conversando com Nestor Sant’Anna, para manifestar minha preocupação com Tavinho Moura – se nós perdemos um amigo, Tavinho perdeu um irmão – NS lembrou a amizade dos três, que junto aos trabalhos, desde a montagem de Manoel, o Audaz, o cd Vallée em homenagem ao Fernando, a origem de "Conspiração dos Poetas", para citar alguns e causos e prosas que pareciam sem fim, experimentadas  foram em intensidade. Mais tarde, reencontrei Nestor no Palácio e, também Tavinho. Querido.
De Geraldo Vianna, com sua voz sempre terna, ouvi as memórias do telefonema recebido do amigo, tão presente nos últimos meses, informando que seria o próximo da fila do transplante. Chegaram, mesmo a planejar um encontro para a próxima semana...Num daqueles emails curtos de Fernando ao Geraldo, no dia seguinte: a fala objetiva informava ao Vianna, algo, se bem me lembro, assim: "vou ali, resolver o meu problema". Jeito mineiro de conversar com Deus...
Em todos os momentos desta natureza, existe sempre alguém, em geral da família, que atua como um elemento catalisador de emoções, sustenta pilares de luz e mantém fortalecida a consciência da energia real emitida em vida, por quem está partindo. Neste caso, foi a Ana. E escolhi compartilhar com esta filha do Fernando e sua irmã Bebel, bem como com a esposa Leise, a sensação desta serena expressão de anfitriã, que ela assumiu bravamente, com naturalidade e sem planos. Foi como sentir que Fernando, através de Ana, transmitia seu legado de sabedoria para que ela se fortalecesse na missão do dia. Leise comentou que ele fez isso o tempo todo com os filhos e era mesmo assim.
...Paulo Brant: você é tão Fernando! 
Leise escolheu, mesmo presente, manter a lembrança do seu Fernando, sem o fúnebre que nunca o descreveu. Ela merecia viver essa escolha. Mas, recebeu todos os amigos.  Me disse, aliás, que gostaria que todos soubessem que ela continuará atendendo os chamados, telefonemas, solicitações como ele sempre fez. Diz que se lembra bem de muitos dos nomes que ligavam em sua casa procurando pelo Brant. No seu olhar, vi a esposa, presente e tão amada, discreta e acolhedora, cumprindo os caminhos de verdadeiro amor. 
Falando em Leise, Tavinho Bretas: você é único no afeto com os que ama. Quanta dedicação e silenciosamente sábios cuidados junto à família e ao Milton. “Poesia é (seu) pão”.
A missa, por “deusidência” foi celebrada pelo meu querido pároco, Padre Fernando Lopes. Conversamos sobre como sua celebração fortaleceu a egrégora daquele local, fazendo soprar brisa de suave leveza após as orações. Para quem tem fé, independente da crença, a força da oração coletiva faz maravilhas.
Eu estava com o amigo Anthonio – parceiro e amigo de Fernando, que deixou sua Divinópolis para “ver seu amigo partir” -  no foyer, quando à frente o carro da funerária tomava suas últimas providencias. Pareceu ouvirmos um sino – ambos olhamos o relógio, eram 16h15. Coincidência ou não,  algum sino, dobrado, talvez, na Igreja da Boa Viagem, tocava naquele instante em que Fernando saía, pela última vez do Palácio das Artes.
Minha reverência para nosso Bituca. Acompanhando aqueles passos, a sensação é que Milton ontem,  avançou degraus e abismos na escala espiritual e real. Foi além de si mesmo e de forças imensas, com sua presença que, além do velório, culminou com a despedida ao lado de Fernando, no Bonfim. Milton brilhou, sem falar no respeito à mídia que ali precisava trabalhar e, ao cumprimento justo da própria responsabilidade em ser quem é, sem às vezes, poder primeiro se expressar com o amigo. Ninguém,  além dele,  alcançou o sentimento de seu coração que, com facilidade podemos imaginar. Trocamos poucas palavras e ao dizer que ele não estava sozinho, Bituca respondeu: “eu sei. Não, mesmo”. Um homem e a edificação de sua “maneira de ter fé na vida”. Me lembrei da ocasião do lançamento de Tambores de Minas quando,  fragilizado,  ele subiu ao palco para cantar sua devoção. Muitos de nós passou pelo medo de perdê-lo na época. Curiosa a vida e suas nuances, Fernando atravessou o mar antes... 
(Toninho, você também! Nenhuma força e homeopatia ultrapassaria a sua retidão e atitudes. Foi muito tonificante  acompanhar você e sua irmã,   Gilda, ao Bonfim. E, hoje, lembrar que foi, na sua voz,  a primeira frase de Travessia para a derradeira do Fernando Brant.)
À chegada no Bonfim, comentei com o Toninho Horta e a querida Gilda Horta uma impressão única: o pôr-do-sol que se dava exatamente atrás do local, trazia sob árvore e nuvens, raios definidos que adentravam o horizonte. É que me lembrei que quando  eu era criança, mamãe dizia que, quando os raios de sol estão visíveis e delineados, os anjos estão presentes.
Foram cantos e orações. Na voz do maestro Lindomar Gomes, um espontâneo cântico soou celestial.  
Na saída, de volta a casa, olhamos novamente o pôr-do-sol. Ao contrário da visão anterior ao adeus, os raios apontavam para o céu. 
Hoje, eu e Nestor Sant’Anna nos falamos, novamente. A certeza:  Fernando Brant cumpriu com louvor, a sua missão. 
Sinto que era muito mais que um dos integrantes do Clube da Esquina. Ele foi o compositor que entendeu cada um dos parceiros e encontrou a riqueza possível que somou ainda mais  preciosidade às melodias. Era o néctar divino que interligava cada um de seus membros em uma imensa teia de partilhas fraternas. Eternizado está em suas memórias mais suaves, nos versos e nas canções. Tantas frases, agora, nos confortam o coração e traduzem emoções e sensações que sentimos. Porque ainda que a morte seja uma continuação da vida, na humana forma de aprender o desapego e a compreensão, nada nos impede a saudade.  Bençãos e coragem para todos os familiares.
E nós, vamos juntos, elevando seus valores. Robertinho Brant, começa com você. Os trabalhos continuam, nesta documentação tão desejada por ele. Serão, portanto, em ano próximo 70 anos... de luz.
Gratidão, Fernando!
PS.:No poema escrito, no dia 12, pelo compadre Paulinho Pedra Azul (publicado no Facebook), acolhi uma das mais delicadas, exatas e sucinta expressão em relação a este momento.  Vale sua leitura, se possível.
Márcia Francisco, BH, 14 de junho de 2015

* Fernando Brant - Caldas, 9 de outubro de 1946 — Belo Horizonte, 12 de junho de 2015

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