26 de jul. de 2007

“3 IRMÃOS DE SANGUE”
por Márcia Francisco

Esperança, consciência, flashes de utopia, verdade e muita dignidade, são palavras que podem fervilhar no pensamento descritivo de quem assistir ao documentário “3 irmãos de sangue”,
idealizado pelo músico Marcos Souza, filho de Chico Mário, dirigido por Ângela Patrícia Heiniger (RJ), sobre a história dos brasileiros Betinho, Henfil e Chico Mário.
Filhos de Bocaiúva (MG), criações da inspiradora mãe Dona Maria,
para um universo ainda mais amplo, Herbert José de Souza, o Betinho, o sociólogo; Henrique de Souza Filho, o cartunista, Henfil e Francisco Mário de Souza, o músico Chico Mário, mesmo que tivessem seu sangue sofrido pela hemofilia e posteriormente ainda contaminado pelo vírus da Aids, eram, antes de tudo, PURO SANGUE BRASIL. Sangue que percorreu as veias da história política nacional. Suas lutas enfrentaram, além das doenças, a ditadura, a fome, levantaram a bandeira da vida digna para TODOS. Suas obras, campanhas sociais, valorização da música brasileira e humor atento foram elementos que fizeram a diferença de - mais que parte integrante de uma geração - força bruta lapidada na voz da ESPERANÇA que, independente da raça, posição social, econômica, política é o que ainda dá o norte aos corações dos homens.
Imortalidade...A música de Chico Mário costura história e documento da trajetória dos três irmãos cuja vida transcendeu a história pessoal de Henfil, Chico Mário e Betinho para alcançar a imortalidade. Para ser imortal, antes há que ser VITA! Hemofílicos contaminados e mortos pelo vírus da Aids, vítimas do insalubre e ironicamente insano sistema público nacional de saúde - sem tempo para restaurar vidas e exaurir a contaminação via bancos de sangue - expectadores interativos do que veio a ser considerado por eles próprios, em tantos depoimentos, crime contra a vida e dignidade humana, Henfil, Betinho e Chico Mário eram VITAIS, sem isso não se imortalizariam. Sua trajetória nos aponta para a ética da responsabilidade. Na fala de Frei Betto que dá início ao filme: "eram três irmãos embriagados de utopia, no sentido forte desta palavra, não apenas como um sonho, mas como um projeto que os engajou numa militância permanente".
Na pré-estréia realizada na manhã do dia 25, no Usina Unibanco de Cinema em Belo Horizonte, uma exibição para imprensa e convidados, a suave presença de Nívia Souza (FOTO: MÁRCIA FRANCISCO), esposa de Chico Mário, cuja participação em depoimento e consultoria do documentário, revela igual clareza de pensamento e testemunha serena. Nitidamente emocionada, mesmo ao rever o documentário, Nívia comenta que “o filme surge em um instante onde é necessário renovar a esperança, resgatar a consciência de que somos nós que temos que trabalhar por um tempo melhor. A riqueza está em ser humano e cidadão, o filme abandona a voz vazia para nos fazer acreditar na voz da ação. Na iniciativa “beija-flor”* de meu filho Marcos (*referindo-se à fala de Betinho sobre o beija-flor que carrega água no bico com a intenção de apagar o incêndio da floresta e essa atitude individual e simples, mas, genuína é válida),encontrei mais que consolo, energia para prosseguir ativa. É como sair de um filme de Chaplin, há o testemunho, a luta e a dor, mas, há também a poesia, a emoção, a própria vida”.
A produção cinematográfica “3 irmãos de sangue” tem nitidez em seu tom, medida justa:
não pretende excessos de sentimentalismo, mesmo diante da tragédia que fez presença na história de Chico, Henfil e Betinho. No entanto, emociona (e emocionou, visivelmente, a toda a platéia presente), do início ao fim de seus 102 minutos de duração. Fotografias, imagens em vídeo dos três, em muitas, por eles próprios vão biografando cada um.
A música, expressão artística que sobrepõe o racional e toca o sutil, naturalmente realizou perfeita conexão com os documentos e registros do filme. Na vida dos três irmãos, Chico Mário teceu a trilha do tempo. Fio condutor no espaço, ela se funde com a leveza dos três personagens, bravos na lucidez, suaves no expressar. Assim, como todos da família Souza. As irmãs Tanda, Glorinha, Wanda e Filó, também registram seus depoimentos. Algumas locações contemplam a capital mineira. Numa cena, três das irmãs, Glorinha, Wanda e Filó visitam a Funerária Santa Casa (dirigida no passado pelo pai), em momento divertido de delicado humor, quando elas comparam as urnas funerárias atuais, às da época em que eram crianças, pura delícia toma conta da cena.
Quem assiste a “3 irmãos de sangue”, tem contato direto com a necessária ética da essência da vida, pelo que filosoficamente ela poderia se tornar, mas, que em experiência prática, revelou-se ativa e continua em lições diárias de vida, na “ópera” em que a história do trio se constituiu como, poeticamente e bem, denominaria o compositor Fernando Brant, em um de seus depoimentos no filme.
Além das presenças mencionadas, há outras participações de impacto em selecionadas aparições e testemunhos. Dentre várias, a fala de Tárik de Souza, crítico musical, do escritor Affonso Romano de Sant’Anna, de médicos da família, vários cartunistas, dentre eles Ziraldo e Jaguar, de músicos (vale mencionar Ivan Lins, cujo silêncio e lágrimas ante audição póstuma de música de Chico Mário, traduz saudade) e mais.
A trilha sonora já lançada em CD, tem a direção musical e produção de Marcos Souza, traz composições de Chico Mário (exceto “Ouro Preto”, com Fernando Rios e “O andaime”, com poema de Fernando Pessoa”. A sensível paisagem sonora inclui uma belíssima gravação ao vivo para o filme, da Orquestra Petrobrás Sinfônica de“Ressurreição” (composta por Chico Mário, para Henfil, após a saída do hospital, do irmão cartunista, ciente de portar Aids), com brilhante arranjo e direção do músico Wagner Tiso, que também registra sua impressão.
De excelente qualidade e conteúdo, o documentário norteado pela história dos irmãos, vai além deste subtexto e também revela momentos fortes da ditadura presente na década de 60 – o exílio, a tortura e outros aspectos do velado período superficialmente abordado nos livros de história e que, em muito, nos foge a compreensão e conhecimento. No filme, registros que nos aproximam da realidade desses fatos, em cenas como a do retorno dos exilados, humaniza imediatamente qualquer referência que, por desconhecimento, ainda possa distanciar brasileiro, cidadão e ser humano do significado do período repressor. Parada obrigatória para jovens, em busca de uma consciência ativa a respeito da vida e para adultos, referência da mais pura expressão de ser brasileiro, de ser parte integrante de uma sociedade e de uma família, conhecer o significado de inclusão, da igualdade justa e necessária, da responsabilidade que devemos ter diante da vida bem-vivida ou da execrável miséria que ainda impera mundo afora.
Da “volta do irmão do Henfil”, depoimento e encontro de Aldir Blanc e João Bosco, que por ocasião da composição de “O bêbado e a equilibrista”, se referiram ao Betinho, ausência sempre mencionada e sentida pelo irmão cartunista, nos anos do exílio às campanhas das “Diretas Já”, onde se revela a inventividade de Henfil até mesmo na origem da frase tônica da campanha, como poderão conferir...
Caros amigos, a partir do dia 17 de agosto, “3 irmãos de sangue” ganha as telas do Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e Belo Horizonte. Na capital mineira, poderá ser visto nos cinemas: Usina 2: 16h20, 19h40 e 21h20 e Belas Artes 2: 14h10, 16h10, 19h10 e 21h10.
Não percam. Vale dizer que parte da renda do filme beneficiará entidades relacionadas à prevenção e tratamento da AIDS.
No dia 09 de agosto registra-se 10 anos da morte do Betinho, e em 22 de agosto seria aniversário de Chico Mário... a vida segue, conosco, aqui.

VEJA O TRAILER DO FILME
EM TEMPO: Exibido em maio no Festival de Cinema de Paris 2007, o filme ganhou o prêmio de melhor roteiro no Festival de Goiânia e menção honrosa no Festival Fêmina, em julho deste ano, tendo sido o único representante brasileiro na competição de longas. Já foi apresentado também no Festival do Rio e na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, além de integrar a programação da 1ª Mostra de Cinema de Ouro Preto.

Um comentário:

fernando fiuza disse...

Márcia que belo texto! Já estava com muita vontade de ver este documentário, com seus comentários a vontade dobrou. Escreva mais sobre cinema, grande abraço Nando Fiuza